quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Foi feito com prazer?

O objetivo do trabalho é mostrar como a mecanização do produto interferiu na humanidade e mostrar, a partir daí, como os pensamentos de John Ruskin quanto a essa época, influenciou uma sociedade, e o que ele conseguiu quanto a isso.
John Ruskin





John Ruskin, (Londres, 8 de fevereiro de 1819 – 20 de janeiro de 1900), foi um escritor lembrado por seu trabalho como critico de arte e social britânico. Foi também poeta e desenhista. Seus ensaios sobre artes e arquitetura foram extremamente influentes na Era Vitoriana, repercutindo até hoje. Foi Ruskin quem chamou a atenção para a feiúra dos objetos produzidos na Inglaterra naquela época, para a superioridade da produção artesanal, bem como para a sua visão da arte como necessidade social, considerando que nenhuma nação a poderia desprezar sem colocar em perigo sua existência intelectual.

John Ruskin foi influenciado por Carlyle e Pugin, teve seu apogeu em 1868 e tornou-se o primeiro professor de belas artes da Universidade de Oxford. Em 1853, foi o primeiro a se pronunciar contra a “divisão do trabalho” capitalista e a “degradação do operário em máquina”.

Ruskin comparava o artesão tradicional com o trabalho mecânico da produção em massa, criticando isto, escreveu: “Para dizer a verdade, não é o trabalho que está dividido, mas os homens (...) de modo que os minúsculos fragmentos de inteligência que são deixados num homem não são suficientes para fazer um alfinete ou um prego”. (FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p.42)

Este autor observava a desintegração da cultura artística e percebeu que as causas deviam ser procuradas nas condições econômicas e sociais que a arte era exercida. Ele individualizava as causas desses males ao próprio sistema, tornava-se adversário de todas as novas formas de vida introduzidas pela Revolução Industrial, e passou a combater o conceito abstrato de indústria.

Para Ruskin, o processo artesanal de produção, adotado na baixa Idade Média, funcionava, e ele queria fazer com que o mesmo funcionasse na sua época e, por esse motivo, se tornou defensor do “revival neogótico”.

Ruskin era um escritor que se interessava pela realidade, preocupava-se com política, economia, arte, geografia, geologia, botânica, entre outros assuntos. Ele criticava a desvalorização do artesanato pela mecanização. Já os intelectuais da época consideravam que o artesão tinha uma maior liberdade, por possuir os meios de produção e pelo alto grau de satisfação e identificação com o produto. Ele fazia colocações superficiais, quanto à de outros que se dedicavam, mas ele tratava com amplidão seu horizonte cultural, fazendo com que seu pensamento tivesse uma eficácia extraordinária. Entretanto, as doutrinas que ele sustentava eram menos satisfatórias e retrógradas quando comparadas às de Cole e seu grupo.

O escritor apontava o modo de organização do trabalho como o fator principal responsável pelas “falhas” projetuais e estilísticas que marcavam a arte, a arquitetura e o design modernos. Também criticava dizendo ser mau produto, feito com baixa qualidade, produzido em larga escala, utilizando materiais que apenas imitavam as matérias-primas originais.

Ele afirmava que: “Não era o mau gosto do público consumidor que gerava a má qualidade, argumentava, mas antes a desqualificação sistemática e conseqüente exploração do trabalhador que produzia a mercadoria.” (CARDOSO, 2004, p. 69)

No livro “The seven lamps of Architetcture” encontra-se a pergunta que Ruskin dizia ser a certa a se fazer: “Foi feito com prazer?”, colocando que a mecanização fez apenas reproduzir um monte de objetos, não sendo dada nenhuma atenção ao produto quanto à qualidade, pensando apenas na lucratividade.

Com essa espécie de radicalismo, Ruskin começou a passar sua simpatia pelo Anglicanismo conservador para uma posição muito próxima da de Carlyle, que era o radicalismo político e socialmente progressista. Em 1860, com o “Unto this last”, revelou-se enfim um socialista intransigente.

Em 1851, Ruskin afiliou-se espiritualmente ao movimento, traduzido como, “Aquele príncipe dos pintores cristãos”, que tinha como meta a fundação de uma escola de pintura que exprimisse ideias e emoções profundas.

“O ideal era criar uma forma artística derivada diretamente da natureza, e não de convenções artísticas de origem renascentista.” (FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p.42)

Em 1853, William Morris e Edward Burne-Jones, alunos de Ruskin em Oxford, foram expostos à influência de Pugin.

Morris trabalhava para um escritório de arquitetura após se formar, mas convencido por Burne-Jones, ele foi para Londres e começou a desenhar móveis para seu apartamento, desde então, trocando a arquitetura pela pintura. As peças criadas para esse apartamento eram intensamente medievais, firmes e pesadas, inspiradas nos ideais artesanais de Ruskin.

Por volta de 1877, quando Ruskin já estava com problemas mentais, Morris decidiu encarregar-se publicamente das causas socialistas e preservacionistas de seu professor.

Partindo da ideia de ver a Arte e Arquitetura, Ruskin começa a pensar sobre a arquitetura, como ela é implantada na cidade, como as pessoas fazem uso dela, e a partir daí, começa a fazer observações sobre a cidade e a criticar como as pessoas a constroem e a usam, e de como as “decoram”.

O arquiteto Shaw, criou uma proposta para adoção de um formato clássico para a cidade. Embora sendo maneirista, foi influenciado pelas inquietações socioculturais de Ruskin, construiu o “subúrbio-jardim” e “provocou” a evolução do movimento cidade-jardim na última década do século XIX, que esteve intimamente ligada ao desenvolvimento do movimento arts and crafts.

O Arts and Crafts, foi o movimento idealizado e dirigido por John Ruskin e William Morris, possuindo duas características que o identificavam: a proposição da divisão das artes em denominações distintas – a arte pura (belas artes) e a arte aplicada (artesanato) – e a oposição ao modo de produção mecanizada, defendendo a ideia de um retorno ao sistema artesanal.

Foi um movimento estético e social inglês, da segunda metade do século XIX, que defendeu a criatividade do artesanato como alternativa à mecanização e à produção em massa. Reunindo teóricos e artistas, o movimento buscava valorizar o trabalho manual e recuperar a qualidade estética dos objetos produzidos industrialmente para uso cotidiano. 

A cidade-jardim, mediante uma reforma social, tinha como objetivo melhorar as condições de vida e trabalho do proletariado industrial. Sendo esta uma ideia criticada por Ruskin, uma vez que ele era contra a massificação da arte e da arquitetura, algo que era uma proposta da cidade-jardim, com sua repetição e multiplicação de um modelo.

Para Ruskin, “a arte de um país exprime suas virtudes políticas e sociais”. Na arte, ele adota a ética pré-rafaelista que futuramente, também será aplicada à arquitetura.

“Ruskin analisa impiedosamente as consequências do sistema industrial e a decadência do trabalho humano que, baseado em noções de lucro e de produção, deixou de ser a realização de uma função vital.” (O Urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 1988, p. 122)

O fundamento culturalista de Ruskin, com uma crítica aguda fundada em uma experiência vívida, se constitui especialmente por William Morris. Para Ruskin, as pessoas faziam a cidade ser um espetáculo mais atraente que a paisagem. Afirmava que: “não importava como a paisagem onde se encontra a cidade é linda, as pessoas tem tanta coisa para fazer na cidade que o olhar delas nunca admira o local no qual se encontram”.

Criticava também, a forma que projetavam a cidade, dizendo que ela não pode ser pensada como uma coleção de unidades. Sendo assim, não é apenas colocar um monte de belos monumentos públicos na cidade, eles têm de se harmonizarem tanto com o local, quanto com eles mesmos. Além disso, acrescenta: “Lembre-se principalmente de que é pela iniciativa privada, bem mais que pela atração pública, que sua cidade deve ser embelezada”. (O Urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 1988, p. 123)

Ruskin procura instigar as pessoas a quererem a diversidade. Ele é contra a reprodução em massa, a falta de caráter em uma obra, e a repetição da “forma” das casas. Ele questiona como uma pessoa não suporta ouvir a mesma coisa sempre se pode suportar ver a repetição das mesmas obras. Essa “forma” repetitiva foi muito utilizada ao longo do tempo, as cidades-jardins, utilizaram dessa arquitetura e construíram múltiplas casas parecidas, com janelas e paredes com a mesma característica.

“A arquitetura é uma arte que todo mundo deveria aprender, porque interessa a todo mundo; e é de tal simplicidade que é tão indesculpável não estar familiarizado com suas regras elementares quanto ignorar a gramática e a ortografia.” (O Urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 1988, p. 124)



Sendo contra a repetição e a favor da diversidade, Ruskin acreditava que todas as obras de arte dignas de serem executadas são interessantes e atraentes, quando terminadas. Dizia que, “não há lei nem direito que consagre o tédio” e tentava alertar as pessoas, mostrando que, como a natureza admira a assimetria. Nem em uma flor, uma pétala é igual à outra; arquitetos não precisam ser apaixonados pela igualdade e semelhança.

Em suas palavras, ele considerava que: “o ornamento, como frequentemente observei, possui duas fontes de prazer completamente distinta: uma, a beleza abstrata de suas formas, que por enquanto suporemos ser a mesma quer ele seja feito a máquina, quer a mão; a outra, o sendo do trabalho humano e da atenção que foram despendidos ao fabricá-lo”. (The Lamp of Truth, XIX, p.53 da edição cit.)

John Ruskin pretendia fazer reformas nas cidades, falava que pareciam ser utópicas e românticas, mas não era. Não era utópico porque aconselhava a retornar uma tradição que foi seguida durante séculos, sendo culturalista. Não era romântico, porque era um conselho para as pessoas morarem em casas mais bonitas, substituindo a decoração por outra, que não era cara, sendo progressista. Barata, porque ele dizia que a arquitetura moderna ficava cara porque estava mal colocada e mal executada. Acreditava que o principal elemento da arquitetura é a ornamentação, que confere características ao edifício, e deveria ser bem executada.

“Para Ruskin, realizar com verdade é realizar manualmente, e realizar manualmente é realizar com alegria” – (os pioneiros do desenho moderno – Nicolas Pevsner).

Segundo o autor, a máquina tinha a função de simular a aparência de um rico trabalho a mão, sem ter de enfrentar a despesa correspondente. Defende sua ideia com a seguinte frase: “Você usa uma coisa que pretende possuir um valor que não possui, que pretende possuir um custo e uma consistência que não possui, é um abuso, uma vulgaridade, uma impertinência e um pecado. Jogue-a fora, reduza-a a pó; deixe, antes, na parede seu traço não acabado, você não pagou para tê-la, não tem nada a fazer com ela, não tem necessidade dela.”. (The Lamp of Truth, XIX, p. 54 da edição cit.)

A partir daí, Ruskin faz várias comparações entre artesanato e máquina, e começa a expandir seus pontos de vista. Como dito anteriormente, ele trata com amplidão seu conhecimento cultural, e quanto à arquitetura ele da a seguinte definição: “Arquitetura é a arte que dispõe e adorna os edifícios construídos pelo homem, para qualquer uso, de tal modo que sua vista possa contribuir para sua saúde mental, para sua eficiência e para seu prazer”. (The Lamp os Sacrifice, I, p. 7 da edição cit.)

Conclusão

O Arts and Crafts foi sem dúvida um movimento importante para a arquitetura e o design, uma vez que se propôs a ir contra a produção em massa de móveis e artigos decorativos. Foi um movimento que prezava pela qualidade dos artigos produzidos, mesmo que os materiais fossem de extrema simplicidade. Ruskin, precursor desta ideologia, tinha por objetivo mostrar como a qualidade de um objeto diminuiu a partir da revolução industrial, e ele não era contra a máquina, mas sim, contra a repetição em massa, perda de qualidade de um produto, fazendo com que o artesanato perdesse o brilho.

Com a maquinação, utilizada de forma inadequada, proporcionou produtos sem qualidade e sem acabamento, tendo uma perda de “zelo” e “delicadeza” quanto ao produto fabricado.

Quanto à parte da cidade, ainda não conseguiram muita mudança, existem várias casas ainda copiando umas as outras. Como exemplificado nas cidades-jardins. Mas hoje em dia, já se tem uma consciência melhor do caos que teria sido, se uma linha de arquitetos e pensadores não tivesse tomado partido para mudar isso. Talvez hoje não se tivesse muitas obras de qualidade, e fosse tudo igual.

John Ruskin influenciou vários arquitetos, principalmente enquanto lecionava em Oxford. Percebe-se que ele em si, com seus pensamentos, não conseguiu atingir diretamente ao público e convencê-los que estavam errados, mas conseguiu influenciar uma linha de pensadores, e alertar sobre a replicação em massa e seus prejuízos, fazendo com que as pessoas tomassem consciência de que precisavam possuir coisas de maior qualidade, forçando a indústria a evoluir seus produtos.

Fotos
BENEVOLO, Leonardo. História de la arquitectura moderna; trad. M. Galfetti e J. D. Atauri- 2ª ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1974. Edição em português . História da Arquitetura Moderna. São Paulo, Editora Perspectiva. 3ed. 2001.


"Caderno de desenhos", John Ruskin. [Ruskin´s Library, University of Lancaster, 2004]


"Caderno de desenhos", John Ruskin. [Ruskin´s Library, University of Lancaster, 2004]
“Pássaro", John Ruskin. [Ruskin´s Drawing, Ashmolean Museum, Oxford, 1997, p. 43]



William Morris - 'Nature of Gothic' Title Page
from 'The Stones of Venice' by John Ruskin (Kelmscott Press, 1892)



“Poppy”, um dos primeiros trabalhos de William Morris.



Bedford Park, Londres, mostrando a igreja de St. Michel, de Shaw, 1879-82. O subúrbio prototípico. [FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 47]


FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 43

Arts and Crafts. [Ashbee. An endevour towards the teaching of John Ruskin and William Morris.
 Londres, B. Ar]


Bibliografia

PEVSNER, Nikolaus - Pioneiros do Desenho Moderno - de William Morris a Walter Gropius. (1a. Ed. 1936), São Paulo, Martins Fontes, 1980.

FRAMPTON, Kenneth - História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1997

BENEVOLO, Leonardo. História de la arquitectura moderna; trad. M. Galfetti e J. D. Atauri - 2ª ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1974. Edição em português . História da Arquitetura Moderna. São Paulo, Editora Perspectiva. 3ed. 2001.

O urbanismo utópico no século XIX: John Ruskin, Willian Morris, Tony Garnier, Camilo Sitte Choay, F. O Urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 1988.